Dois carros maravilhosos e um duelo que nunca existiu!

Publicado: 02/10/2010 por Sirlan Pedrosa em Artigos, História da F1
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Essa é a história de um dos mais esperados duelos da história da F1, que por obra do destino jamais aconteceu.

As corridas de Grand Prix remontavam os anos 20 e 30, onde as flechas de prata alemães da Auto Union e Mercedes Benz brigavam nas pistas com as marcas italianas Alfa Romeo e Maserati, as francesas Bugatti e Talbot e as inglesas Bentley, Aston Martin e Vauxhall, entre outras. Com a 2a Grande Guerra os GP´s foram suspensos e só voltaram a acontecer na segunda metade da década de 40.

O campeonato mundial de F1 com corridas contando pontos para a consagração de um campeão só havia começado em 1950, seguindo os moldes do mundial de motovelocidade iniciado em 1949. Giuseppe Farina pilotando uma Alfa Romeo foi o primeiro campeão mundial, mas a verdade é que os carros ainda eram modelos antiquados que derivavam de projetos do período pré-guerra, tanto que para garantir um grid cheio a FIA adotou os modelos da então F2 com motores aspirados de 2 litros para os anos de 1952 e 1953.

Para 1954 havia uma nova regra com motores sobre-alimentados de até 750 cc ou aspirados de até 2.500 cc, e pela primeira vez teríamos carros derivados de projetos totalmente novos.

A Mercedes Benz já era uma grande corporação na época e com a recuperação econômica da Alemanha voltava aos Grand Prix´s com sua mais nova flecha de prata, o modelo W 196.

Mercedes Bens W 196

O W 196 era um carro revolucionário para a época e incorporava grandes inovações. Tinha dois modelos de carroceria, uma convencional com as rodas expostas usada em pista mais travadas, e outra aerodinâmica com as rodas cobertas usada em circuitos de alta velocidade, como Monza.

Os freios dianteiros e traseiros eram montados na parte interna do carro para diminuir a massa suspensa nas rodas. As suspensões eram independentes nas quatro rodas. O motor era uma rara obra prima de oito cilindros em linha, inclinado a 20 graus em relação ao solo para baixar o centro de gravidade do carro, construção que contribuía para o aspecto largo e baixo da frente do carro. Também tinha uma inédita injeção direta de combustível feita pela Bosch e que havia sido usada em aviões durante a guerra, além de usar comando de válvulas desmodromico (não usa molas para o retorno das válvulas). Na época se estimava que possuísse cerca de 290 hp´s.

Mercedes Benz W 196

A equipe era comandada pelo já legendário Alfred Neubauer e como primeiro piloto do time foi contratado o campeão de 1951 Juan Manoel Fangio.

Karl Kling, Alfred Neubauer e Juan Manoel Fangio

A Mercedes atrasou a construção do carro e Fangio usou uma Maserati 250F nas primeiras três provas do ano. Na quarta etapa do ano, realizada na França, o W 196 estreou com a pole position nos treinos e dobradinha na corrida, tendo Fangio à frente do segundo piloto do time o alemão Karl Kling.

Mercedes Benz W 196

A essa altura o campeonato passou a ser dominado pelas flechas de prata e o único competidor capaz de enfrentá-los ainda não havia ficado pronto. Seu nome: Lancia D50.

A Lancia era um fabricante italiano fundado pelo ex-piloto da Fiat Vincenzo Lancia. Apesar de sua origem nas pistas ele jamais quis se envolver com corridas enquanto esteve à frente da empresa que fundou. Quando Vincenzo morreu seu filho Gianni Lancia assumiu a direção dos negócios e diferentemente do pai levou a marca para as pistas.

Lancia D 50

Para a temporada de 1954 a Lancia resolveu dar seu maior passo entrando no campeonato mundial de F1 com um carro projetado por Vittorio Jano. Responsável pelos grandes P2 e P3 da Alfa Romeo no período anterior a guerra, Jano era considerado o grande mestre da época e desenhou um carro possivelmente mais inovador até que o Mercedes W 196.

Vittorio Jano e Gianni Lancia

O Lancia D50 contava com um motor V8 de 2.500 cc aspirado com duplo comando de válvulas no cabeçote, com estimados 260 hp´s. Inovava ao ser usado como parte portante do chassi, garantindo assim uma maior rigidez ao conjunto. Esse motor era montado em posição “diagonal” com um ângulo de 12 graus em relação ao chassi do carro, o que permitia que o eixo cardã passasse à esquerda do piloto para se acoplar a um cambio embutido no eixo traseiro. Esse arranjo se traduzia num monoposto mais baixo e excepcionalmente compacto para a época.

Esquema do conjunto Motor/Cardã/Cambio do Lancia D50

A suspensão dianteira era moderna do tipo independente com duplos triângulos, mas a traseira usava o já convencional eixo De Dion.

Também inovadora era a posição dos tanques de combustível. Até então a maioria dos projetos colocava o tanque atrás do eixo traseiro dos carros. Vittorio Jano constatou que se colocasse o tanque na parte central conseguiria elevados ganhos de equilíbrio e manteria o comportamento do carro mais constante à medida que o combustível iria sendo consumido. Para conseguir isso dividiu o tanque em dois e os colocou nas laterais do carro, entre as rodas dianteira e traseira. Como ganho adicional conseguiu  influenciar o fluxo de ar entre as rodas, melhorando consideravelmente a aerodinâmica do carro.

Para pilotar a máquina italiana Gianni Lancia não economizou e contratou como líder da equipe o melhor piloto de então, o italiano bi-campeão de 1952 e 1953 Alberto Ascari.

O carro só ficou pronto para a última corrida do ano na Espanha, tendo Ascari pilotado carros da Maserati e da Ferrari em duas corridas enquanto aguardava seu novo carro.

Os espectadores e as demais equipes ficaram assombrados quando Ascari conquistou a pole 1s à frente de Fangio com a poderosa Mercedes W 196. Na corrida o campeão italiano largou na frente e começou a abrir, até que um problema na embreagem o fez parar ainda na décima volta. O carro de Jano era muito rápido, mas também parecia muito frágil.

Fangio ganhou o título de 1954 com seis vitórias, quatro delas pilotando o W 196.

A temporada de 1955 foi esperada com ansiedade, afinal Ascari teria então um Lancia D50 mais desenvolvido e disponível desde o início do ano para enfrentar as poderosas Mercedes W 196 de Fangio e seu novo companheiro de equipe, Stirling Moss.

Alberto Ascari – Lancia D50

Na primeira etapa do ano realizada na Argentina Ascari faz o segundo tempo e Fangio o terceiro, surpreendentemente o argentino José Froilan Gonzalez acerta uma volta mágica e faz a pole com uma Ferrari. Na corrida tudo volta ao normal e a Lancia D50 de Ascari lidera até a 21ª volta, quando abandona após um acidente deixando o caminho livre para Fangio vencer com a W 196.

Em seguida a etapa da Argentina, Ascari vence duas corridas consecutivas extra campeonato e mostra que a Lancia tinha finalmente alcançado a confiabilidade necessária do seu modelo.

A segunda corrida válida para o mundial é em Mônaco e nos treinos Fangio e Ascari fazem o mesmo tempo, com o piloto da Mercedes largando na pole. Na corrida Ascari cai para o meio do pelotão e vem se recuperando volta a volta. Na frente Fangio lidera com Moss no seu encalço. Na 49ª volta o argentino abandona com problemas na transmissão e Moss assume a ponta. A essa altura Ascari é segundo e parte em busca da liderança com o Lancia D50. Na 80ª volta assume a ponta após Moss ter problemas de motor, mas não consegue sequer completar a volta na frente porque perde o controle do carro na chincane e cai direto no mar, em um acidente tão espetacular que depois foi reproduzido no clássico filme Grand Prix.

Largada Mônaco 1955 – Fangio, Ascari e Moss

Ascari escapa ileso do acidente cinematográfico para perder a vida quatro dias depois num teste de carro esporte em Monza, na curva que hoje leva seu nome.

O trauma pela morte do campeão associado à grave crise financeira que empresa atravessava faz com que Gianni Lancia abandone o campeonato ainda à meio de ano. Com a interferência da Fiat a Lancia vende os carros e o projeto do modelo D50 para que a Ferrari possa usá-lo no campeonato de 1956. O comendador ainda assume o contrato de Vittorio Jano.

O grande duelo da temporada tivera apenas dois rounds e parecia ter sido adiado para 1956 quando o modelo D50 já ostentaria o Cavalino Rampante da Ferrari na carroceria vermelha.

Mas o destino ainda não havia terminado seu plano para que esses dois carros geniais jamais disputassem um campeonato palmo a palmo.

Em junho de 1955 durante as 24 de Le Mans o Mercedes SLR de Pierre Levegh toca na traseira de outro carro e voa sobre os telespectadores. O saldo final são 78 mortes e 94 feridos no maior acidente da história do automobilismo.

No final do ano a Mercedes Benz decide se retirar das competições, encerrando prematuramente a carreira do W 196 que novamente havia sido campeão do mundo nas mãos de Juan Manoel Fangio.

Por ironia do destino o mesmo Fangio assina com o comendador Enzo para 1956 e pilota o agora rebatizado Ferrari D50. Com esse carro consegue seis poles e três vitórias em sete corridas e conquista o seu quarto título mundial.

Mercedes W 196 e Lancia D50, dois carros maravilhosos e um duelo que nunca existiu.

Fangio com a Ferrari D50 em 1956

comentários
  1. Edgard disse:

    Parabéns, Sirlan. Texto histórico muito bem elaborado e rico em detalhes e fotos…tomara que você faça posts como este, com a evolução dos carros e até os dias atuais, para termos uma referência automobilistica.
    Valeu, abraço.

    • Sirlan Pedrosa disse:

      Obrigado Edgar,

      Sempre fui fascinado por esse duelo entre a Mercedes e a Lancia.

      Foi uma pena que esses carros só tenham disputado juntos apenas 4 corridas, sendo que na última delas o time italiano estava sob efeito da morte de Ascari.

      Seria de fato a Lancia superior a Mercedes ? Teria Fangio ganho seus cinco títulos se a batalha tivesse ocorrido ? Teria Ascari sido melhor que Fangio em sua época ?

      Nunca saberemos….Ficou apenas uma história maravilhosa…

      Um abraço,

      Sirlan Pedrosa

  2. Alex-Ctba disse:

    Espetacular artigo mestre. Eu q tenho uma certa preguiça para pesquisa, gosto muito desses textos históricos q nos permite aprender sobre as origens do automobilismo. Esse em especial foi muito interessante, pois narra o nascimento da Ferrari, essa lendária equipe q ultrapassou os 800 GPs. Essa parte aqui do texto foi curiosa:

    Os espectadores e as demais equipes ficaram assombrados quando Ascari conquistou a pole 1s à frente de Fangio com a poderosa Mercedes W 196. Na corrida o campeão italiano largou na frente e começou a abrir, até que um problema na embreagem o fez parar ainda na décima volta. O carro de Jano era muito rápido, mas também parecia muito frágil.

    Lembrou o fantástico RB6 na estréia no Bahrein!

    Muito interessante as diferenças entre os dois carros. Logo de cara percebe-se as distintas entradas de ar nos dois modelos além do desenho dos carros. A parte não visível, foi brilhantemente descrita no artigo.

    Foi uma pena a história da F1 ser privada desse embate. Poderia até ter ocorrido, já com o Lancia D50, transmutado em Ferrari, mas a Mercedes retirou-se das pistas depois da tragédia de Le Mans.

  3. Allan Wiese disse:

    Bela história Sirlan, muito bem contada e retratada.
    E é de se tirar o chapéu para a coragem desses pilotos. Ascari perdeu a vida, assim como muitos outros. Essas banheiras assassinas não deveriam proporcionar muita sensação de segurança…

    • Sirlan Pedrosa disse:

      Alan,

      Obrigado.

      Imagina então o Lancia D50 com dois tanques nas laterais co carro. Uma verdadeira máquina de pegar fogo.

      Isso mostra como os projetos da época não consideravam em nada a segurança dos pilotos.

      Um grande abraço,

      Sirlan Pedrosa

  4. wilson disse:

    bom, muito bom.
    História sempre é legal.

  5. wilson disse:

    já quanto a f1, uma provocaçãozinha basica:

    niki Lauda que já fez, teceu comentários negativos este ano quanto a Alonso (e por isso mesmo sua visão nesse momento é oportuna e válida) no momento aposta no espanhol quanto ao título.

    Agora no papel de comentador da Fórmula 1, Niki Lauda considera que Fernando Alonso é o principal candidato a vencer o título deste ano do Mundial de Fórmula 1, catalogando-o como melhor piloto da modalidade.

    Em entrevista ao diário austríaco Österreich, Lauda confessa a sua aposta em Alonso, observando que a sua experiência pode ser decisiva na fase final do campeonato.

    “Aposto claramente em Alonso. Porquê? Porque já foi campeao por duas vezes e não foi por acaso. É o melhor piloto da atualidade. Quando se avalia num todo, considerando a velocidade, a inteligência, a capacidade de arriscar e a eficácia a acumular pontos, é simplesmente o melhor”, afirmou, lembrando que “Webber surpreendeu toda a gente com um rendimento consistente mas não tem as virtudes de Alonso”.

    Lauda admite, ainda, que para a Red Bull ter hipóteses de se defender de Fernando Alonso, o RB6 tem de “se tornar claramente superior” aos monolugares italianos, acrescentando que “não se deve menosprezar a Ferrari como equipa, porque agora vão tentar fazer tudo para reduzir a diferença que os separa dos Red Bull”.

  6. Anselmo Coyote disse:

    Quem aí topa fazer uma, uma não, duas, réplicas desse de numero 26… só a lata. Uma pra mim e outra para o louco que embarcar comigo nessa. O Meu vai pra parede do meu quarto.
    Abs.

    • Sirlan Pedrosa disse:

      Coyote,

      Realmente o Lancia D50 é lindo. O Mercedes W 196 também.

      Duas obras primas…

      Por falar em réplica, dos seis D50 originais hoje só existem dois, em museus. Foram feitas sete réplicas fiéis recentemente que eventualemente participam de demonstrações. Os W 196 construídos foram preservados pela Mercedes.

      Um abraço,

      Sirlan Pedrosa

      • Claudio Cardoso disse:

        Sirlan.

        Parabens pelo texto.

        1 delas eu vi no Museu da Ferrari em Maranello.

        Abraços

  7. Anselmo Coyote disse:

    Grande Sirlan,,

    Obrigado. O grande lance é a originalidade. No entanto isso é relativo (ou me é conveniente relativizar… rsrs.). Eu explico, antes que me tomem por tonto ou tolo.

    Fazer uma réplica, para quem nunca cogitou isso, só por prazer, é algo inédito. Pelo menos para quem faz. É original. O resultado será uma réplica, mas o replicante estará nela e a olhará com muito carinho – afinal ela não caiu do céu. Ao contrário, exigiu esforços e muita criatividade para driblar o tempo, a falta de recursos tecnológicos, encontrar o tempero certo para a tinta etc.

    Agora, dizer que a réplica não o é, se enganar como um cego apaixonado e acreditar na mentira que é a réplica etc… isso sim, é um caminho sem volta e que quando for percebido trará angústia e fará com que tudo não tenha valido a pena.

    A questão pra mim é estética. O carro tem formas graciosas e belas e eu gostaria de tê-las por perto, ainda que tenha que moldá-las. E quem, em sã consciência, as dirá feias só porque fui eu quem as fez? Esse sim, é um todo ou vesgo.

    Abs.

  8. Anselmo Coyote disse:

    Extra! Extra! Extra!

    O novo símbolo da F1.

    Abs.

  9. Mari Espada disse:

    Sirlan, grande texto! Quantos detalhes! Você honra seu título de mestre neste blog! =)

    Com certeza vou ler seu texto mais e mais vezes, porque eu sou fascinada em conhecer o passado. Pois assim conseguimos compreender melhor o presente, não acha?

    Beijos!

  10. wilson disse:

    voces acompanharam ultimas semanas propaganda da livina em cima das concorrentes?
    gm apelou pro conar e propaganda foi tirada do ar.
    a nissan aproveitou para se redimir e pediu desculpas em propaganda na tv.
    vejam:
    http://www.noticiasautomotivas.com.br/video-desculpa-ai-vai-desculpa//

  11. Textão Sirlan, dois carros que para o bem da história do automobilismo não se enfrentaram assim não teve perdedor.

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